21/11/2019 - Cinectus

O Irlandês | Crítica do leitor

A turma que curte o Cinectus não dorme em serviço e já conferiu o esperado filme de Martin Scorsese, que estreia na Netflix em 27 de Novembro.

Mas se é uma produção da Netflix, como alguém conseguiu assitir nos cinemas? Teria assistido nos EUA? Teria feito um “download alternativo”?

Na verdade, desde Manchester à Beira-Mar (2016) da Amazon, os gigantes do streaming adotaram o procedimento de exibir seus grandes lançamentos em poucos cinemas e por um curto período de tempo antes da disponibilizá-los em suas plataformas. Isso permite que os filmes cumpram os requisitos de participação em prêmios como o Oscar.

A novidade é que esta iniciativa, antes restrita aos EUA e Europa, também foi usada no Brasil. Provavelmente o fato de sermos um dos maiores mercados da gigante do streaming tenha pesado na decisão.

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Mas indo direto ao ponto, nosso leitor Felipe Galeno já conferiu o filme e compartilhou conosco sua opinião.

   Martin Scorsese está velho. Aos 76 anos de idade e com 50 de carreira, o cineasta ítalo-americano já atingiu o status de “lenda viva” do cinema segundo a maioria dos críticos e espectadores. E talvez sejam exatamente essas décadas de experiência que possibilitam ao diretor encontrar tamanha sensibilidade na forma como ele trabalha a temática da velhice em seu novo longa, o aguardado O Irlandês.

É até curioso que um filme vendido como o grande retorno de Scorsese aos filmes de máfia comece num asilo para terceira idade. A câmera abre o filme vagando por entre os idosos até encontrar Frank Sheeran (Robert DeNiro), o irlandês do título, solitário e moribundo em uma cadeira de rodas distante. É a partir das memórias compartilhadas por esse senhor que a história retrocede alguns anos para contar seu envolvimento com a máfia americana, com a família criminosa Buffalino e o com o contexto do sindicalismo estadunidense nos anos 60.

O território temático não é novo para o diretor. Mesmo que seu último retrato da vida mafiosa tenha sido lançado em 1995, o assunto é uma das marcas registradas do cineasta e aqui ele já demonstra, desde o início, a habilidade que tem em retratar o universo do crime organizado com todas as suas conexões, nomes e regras. O que mais chama atenção talvez seja a paciência com a qual ele executa isso. Em um tempo em que o entretenimento é cada vez mais “frenético” para atender aos limites da atenção do público, Scorsese não se preocupa em deixar suas cenas seguirem um ritmo natural. Não que o diretor valorize um tempo morto; as cenas que preenchem as 3 horas e meia de duração nunca são despropositadas, mas isso não significa que precisem ser aceleradas.

Essa paciência só contribui para o trabalho meticuloso de reconstrução que o longa faz das memórias de Frank. Mesmo a ambientação dos cenários de época, por mais detalhista que seja, está lá sempre em função dessa história contada. Até mesmo o esmerado trabalho com os efeitos digitais no rejuvenescimento do elenco, que levou anos para ser desenvolvido, nunca está ali para ofuscar a narrativa e sim para contribuir. O leve estranhamento inicial que a computação gráfica gera pode ser compreendido como aquela imprecisão visual que uma lembrança costuma ter nas nossas mentes e, mesmo assim, não demora muito para que nos acostumemos com a versão mais jovem de DeNiro e embarquemos na jornada com ele.

A presença do ator veterano é, inclusive, importantíssima para o andamento do longa. O olhar austero e a voz serena do seu Frank Sheeran o distanciam e o aproximam do espectador ao mesmo tempo. Sentimos a frieza de sua personalidade mas nos envolvemos com ele mesmo assim e, no fim de tudo, sentimos todo o peso acumulado da sua jornada emocional. Por mais que em diversos momentos pareça que o longa está apenas retratando os acontecimentos pelos quais Sheeran passou na vida, aos poucos fica perceptível que há uma evolução emocional sendo feita através de pequenos detalhes. Uma troca de olhares com sua filha ou um breve momento de descontração com seu amigo Jimmy Hoffa (Al Pacino) vão influenciar no impacto emocional que os desdobramentos dessas relações vão ter no final.

DeNiro vai desaparecendo aos poucos nesse personagem e consegue manter a força sutil de sua performance mesmo nos momentos de interação com o resto do impecável elenco. As cenas de diálogos entre ele e Russ Buffalino, chefão da máfia interpretado por Joe Pesci, são um deleite para amantes da atuação sem nunca descambarem para o exagero. Pesci, que saiu da aposentadoria de 10 anos para esse filme, evita repetir os trejeitos típicos que marcaram sua carreira em outros papéis como mafioso. Seu Russ Buffalino é completamente diferente do icônico Tommy DeVito que interpretou em Os Bons Companheiros. O trabalho aqui é bem mais sereno, calmo, mas não menos poderoso por isso. O personagem conquista o domínio e o respeito sem nunca parecer ameaçador ou impulsivo. É uma imponência discreta que elevam o seu trabalho a um patamar único.

Outro grande nome que dá uma aula em termos de atuação é o experiente Al Pacino. Em sua primeira colaboração com Scorsese, o septuagenário demonstra um vigor de dar inveja em muitos jovens atores. Seu retrato do popular líder sindical Jimmy Hoffa é enérgico e impulsivo, contrastando com a energia estrita dos seus companheiros de cena. Ele consegue aderir um certo senso de humor nos seus acalorados diálogos que suaviza o longa em diversos momentos e cria uma conexão muito interesante do personagem não só com o meio retratado pelo filme, mas também com o espectador.

O desenrolar desses relacionamentos, auxiliado pelo irretocável trabalho de montagem da veterana Thelma Schoonmaker, vão revelando um interessante olhar mais contemplativo para o panorama da vida criminosa feita pelo grandiloquente roteiro de Steve Zaillian. Trabalhar na máfia aqui não é algo glamoroso como era em alguns clássicos do subgênero. O jogo pelo poder não é a garantia de um prazer desregrado pra esses personagens. Pelo contrário: por vezes, essa vida prejudica suas relações e os obriga a fazerem coisas que eles não querem. Ainda assim, os conflitos viris pelo domínio parecem a única alternativa para eles. Não há como viver essa vida sem se comprometer por completo, assim como também não há como abandonar tudo de uma hora para outra.

E é nos momentos finais, com a observação da vida do velho Sheeran depois de tudo, que o filme encontra a sua maior força. É na incompletude da conclusão, no vazio deixado após todos os anos de jornada, que Scorsese reconhece o sentimento agridoce da velhice. Não há uma mensagem panfletária ou moralista, nada de “o crime não compensa”. Porém, ao colocar a solidão senil como a maior consequência da vida mafiosa, o diretor está praticamente falando sobre o quão irrecompensante e triste o crime pode ser no fim das contas. Scorsese fez mais uma obra prima sobre a máfia, só que, dessa vez, uma com muito mais melancolia e solitude do que de costume.

Se já estávamos ansiosos, a crítica do Felipe só aumentou a expectativa para semana que vem – quando estará disponível na plataforma de streaming.

E você? Assistiu algum filme e quer compartilhar sua opinião? Envie um e-mail para a gente: contato@cinectus.com.br.

 

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